Dica de Leitura: “Um ser tão enigmático”, de Francis Gomes
(Constructo de Alba Atróz – 20 de maio de 2017)
Numa manhã fria e chuvosa, pouco antes de embarcar num
transporte público caótico, ainda na fila, retirei da mochila “Um ser tão
Enigmático”, obra do poeta e cordelista, mestre Francis Gomes. Como sempre, a
leitura de um bom livro surgiu como um alento, tendo mesmo me distraído e
aguçado minha sensibilidade por um itinerário opressivo.
Pela porta de entrada de sua poesia, virando as páginas de
sua vida querida, atravessando os cômodos após o roçado, sendo hospedado num
sertão, entre as cercas de mourões, entre pastos, nas estiagens e secas longas,
no ofuscado momento em que sigo caminhando dando “dias” aos passantes,
sentindo-me as colunas de madeira que seguram o humilde casebre às margens da
pobre estradinha de terra, enquanto sorvo um “cafezin” feito por sua mãe e pai
após o trabalho na roça ou fabriquetas, sou distanciado do agora, do urbano e
viro piaba num rio transposto por Francis Gomes. É possível perceber que “Um
ser tão enigmático” é os “Suspiros poéticos e saudades” expressado pelo eu
lírico, pois aos moldes da obra clássica de Magalhães, nosso poeta atual também
traz as impressões sobre lugares, fatos e figuras, embora com adendos de humor
e simpatia que lhe é intrínseco, apresentando-nos suas fortes relações com o
nordeste; mais especificamente sua terra natal Assaré – sobretudo, Farias
Brito, Ceará, onde viveu sua infância e parte de sua adolescência que lhe
trouxe marcas presentes em seu jeito de ser e de agir.
A rica tradição popular, o cômico, a charada, a
corporificação do jeito nordestino, com toda sua forte imaginação para criar
lendas, constituem a beleza na obra de Francis Gomes. Viajamos na leitura cheia
de intertextualidades, onde o poeta, numa rica miscelânea de citações, traz a moção
do corpo de um lugar para outro, em diferentes tempos ou épocas, pelo contato
com a poderosa literatura. Francis é xavequeiro, é romântico, é sedutor, tem
lábia para suas musas românticas, amores que o poeta exalta em passagens onde
versos exortam não só a beleza de sua terra, mas os sentidos das relações
íntimas, quando não familiares ou amigáveis. Nas faltas de entendimento
presentes entre casais, por exemplo, o poeta nos oferece solução, trazendo
flores e motes sugestivos para amenizar as temáticas “conflitantes”. Em seus
poemas muito bem metrificados, preocupado com a estética e com a qualidade de
seu texto, Gomes vai harmoniosamente ensinando-nos a amar, a escrever, a ler, a
se apaixonar, trazendo-nos de volta a infância na rua, no grupo de amigos, no
lar, nos abraços, diante dos “enigmáticos” entendimentos que a vida nos
proporciona com o tempo, após um adeus, no ter que voltar querendo ficar, na
dor da partida, na felicidade da volta, são ensinamentos que pesam no peito, no
choro de Francis, do poeta que reconhece seu “paraíso no sertão” descrito no
b-a-bá do quadro negro da singela escola, no suor do serviço de seu pai e de
seus entes, no vem cá de sua mãe, na paisagem maltratada do sertão cearense,
olhado por um farias britense, discípulo de Patativa, que está sempre em
“guerra sintática”, por amor à arte de escrever, versos em que a gramática
entra na roda e dança homenageando seu povo e suas tradições, assim como seus
amigos do peito. É tudo tão rico, em tão poucas páginas, que o leitor fica querendo
mais. Cheguei ao meu destino satisfeito, sem sofrer as mesmas sequelas de
quando não estou lendo. Acabei, enfim, viajando à Farias Brito, vivi uma
história marcante e proveitosa, convidado por “Um ser tão enigmático” chamado
Francis Gomes. Boa leitura.
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