POETA FRANCIS GOMES

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sexta-feira, 15 de maio de 2015

Um história real dos contos da vida



Tem pão seco de ontem?

Eu sempre vos contei histórias que meu avô me contava, hoje quero contar-vos uma que eu vivi e fui um dos personagens principal neste filme da vida real cujo enredo sempre foi o sofrimento, a fome, em um mundo que até hoje existe, e ainda continua desconhecido por muitos.
Em uma pequena casa de quatro cômodos, duas salas, um quarto e uma  cozinha, metade tijolos e metade taipa,  onde eu morava com meus pais, meu irmão e minha irmã.
Tinha apenas uma cama, a dos meus pais e esta de folha de banana. Nós dormíamos em redes, eu e meu irmão em uma das salas minha irmã na outra.
Cinco e meia da manhã, meu pai chegava puxando o punho da rede nos acordando para sairmos para o  roça.
Normalmente tomávamos um café puro, eu mesmo nem isso porque nunca gostei de café. Uma vez ou outra  tinha uma bolacha doce, ou uma broa de milho feito por minha mãe. Ás vezes aos sábados, quando tinha algum dinheiro,  meu pai comprava um pãozinho para cada um, e isso era motivo de festa para eu e meus irmãos enquanto em alguns lugares os porcos comiam melhor  que nós. Mas não é sobre isso que quero falar neste momento, em outra ocasião falarei para vocês esta parte da história.
Voltamos à ida para roça, cada um de nós digo eu meu pai e meu irmão tínhamos que levar uma cabaça com água, e as ferramentas de trabalho, machado, foice roçadeira ou inchada.
Algumas destas ferramentas às vezes ficavam na roça durante o inverno inteiro, a inchada por exemplo.  Não vos vou fala sobre o uso de cada ferramenta, apesar de saber usar todas elas, não é ainda o que nos interessa neste momento.
A roça ficava a mais ou menos três quilômetros de onde morávamos e tínhamos que ir e voltar na caminhada.
O sol quente porque lá até parece que o sol nasce mais cedo se põe mais tarde, e é mais quente que em qualquer outro lugar do mundo. Estradas de terra vermelha, quando passava um carro à poeira cobria, o suor correndo aquilo impregnava no rosto, os pés suados, escorregava nos chinelos feitos por meu pai, de pneu de carro ou corro de vaca. Chapéu de palha, roupa remendada. Com aqueles chinelos sem proteção nenhuma, pisando em espinhos fazendo a broca, desmatamento, e depois encoivarando o mato. Este tipo de trabalho normalmente acontece nos meses de agosto e setembro a época da seca. Outubro é a queima da roça, final de dezembro começo de janeiro começa o plantio. Feijão, milho, arroz, amendoim, algodão, mamona, fava, gergelim e muitos outros cada um ao seu tempo, cada um na parte da terra onde ele se adaptaria melhor, ciência que o sertanejo aprende com dia a dia ainda criança.
Eu poderia descrever o tipo de terra, se fofa, se mais dura, se pedregosa ou não, porque eu  conheço cada pedaço de terra e que tipo de lavoura se adaptaria melhor, mas isso tomaria muito tempo, e posso contar em outro momento em outra oportunidade.
Quero falar sobre o meu tempo de escola e o que a vida me oferecia. Eu estudava no período da manhã, ficava na roça até as onze e meia e depois voltava pra casa, para ir à escola. Na volta tinha que trazer um pau de lenha,  o combustível para fazer a comida, por que apesar de nós morarmos na cidade ainda usávamos fogão a lenha. Dia sim dia não, assim se dava.  Às vezes eu voltava correndo, pois tinha ainda que tomar banho, almoçar antes de ir para escola.  Na maioria das vezes eu tomava banho no rio, visto que eu passava pelo rio, meu rio, o meu velho e maravilhoso rio do qual já vos falei em outras ocasiões, o rio Carius, ele que me enchia a alma de prazer a me alimentava com seus peixes. Meu grande e verdadeiro amigo, de muitas solitárias confidências que só eu, ele e Deus sabemos.
A parte mais dolorida da história começa agora, confesso choro ao lembrar cada cena, lembro-me cada detalhe como se eu tivesse vivendo agora.
O almoço, se é que posso chamar isso de almoço, era pão de milho, um tipo de faria de milho  que alguns conhecem como cuscuz, com feijão, e mais nada.  Uma vez outra tinha uns peixes assados, que eu mesmo pegava de anzol no Carius dia de domingo, ou passarinhos pegados na arapuca. Alguém pode até achar que isso era um crime comer passarinhos assados, o IBAMA talvez nos condenassem. Mas quem deles já passou fome? Quem deles pegou uma pimenta vermelha, esmagou-a em  caldo de feijão, para servir de mistura, e poder conseguir comer uma massa  seca para resistir uma tarde de aula com barriga roncando de fome?
Quantas vezes não vi minha mãe chorando de dó de mim, do meu irmão! Quantas vezes eu não fui impedido de entrar na escola porque não tinha uma  conga, a farda do colégio. E eu lá, de chinelo e roupa remendada, ouvido o outros zombarem de mim, rindo daquela necessidade, quase miséria. 
Meu irmão e minha irmã não suportaram desistiram de estudar e só concluíram a quarta seria do primário, eu que nunca desistir de nada na minha vida, conseguir com muito custo e muito esforço de meus pais conclui o segundo grau.
Fui um motivo para comemorar, mas não tínhamos como, nem com que, apesar de isso ter acontecido, a bem pouco tempo, na década de oitenta, parece mentira, mas tudo isso ainda acontece até hoje em pequenas cidades nos confins do nordeste.
Alguns dias, raros, tinha merenda na escola eu aproveitava pra comer bastante, tinha  colegas que não gostavam da merenda e me davam, outras vezes eu entrava na fila duas vezes, escondido, para repetir.
E quando não tinha merenda, na hora do recreio eu saia com mais outros três amigos na mesma situação que eu. Nós íamos correndo para a padaria do seu Zequinha, no centro da cidade, a única padaria da cidade naquela época. Todas as vezes que me lembro disso  choro, não é de vergonha, nem tristeza, mas alegria  por passar por tudo isso e nunca perder a dignidade, a qual meu pai me ensinou, ser honesto e nunca desistir.
 Na padaria, seu Bernardo um dos empregados da padaria, era o nosso salvador, às vezes ele se aborrecia conosco, mas na maioria das vezes colabora. Sempre a mesma pergunta; Tem pão seco de ontem? Da um pra nós. O pão adormecido de um dia para o outro, de dois ou três dias, que o seu Lulinha preferia jogar fora ou fazer torradas, a nos dar para matar a fome.
 Seu Bernardo pegava escondido e nos dava mandava nós comermos fora para seu patrão não ver. Era tão seco que às vezes cortava a gengivas e o céu da boca. Mas era o que nos fortalecia para resistirmos o resto da aula. Quanto à janta era o mesmo que o almoço com uma diferença, metade arroz e metade pão de milho, mas isso é coisa para se falar em outro dia.

Francis Gomes
Poeta escritor e cordelista. Autor de dois livros, Ecos do Silêncio e semeando versos colhendo cordel. Oito coletâneas com outros escritores, 22 folhetos de cordel, dois CDs e três DVDs de literatura, presidente da Associação cultural Literatura no Brasil por quatro anos. Formado pela UMCTEC, Universidade de Mogi das Cruzes São Paulo, técnico em eletrotécnica.

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