Tela de minha terra viva
Quando deixei minha
pátria,
Levei comigo uma tela
pintada
Com as imagens, cores
e sons de minha terra,
Para que ninguém
roubasse isso de mim
Se não a morte.
Ao centro da tela
Uma mata virgem,
Um por do sol,
De olhos vermelhos e
lágrimas douradas
Despedindo-se do dia
que vai dormindo
E da noite que começa
despertar,
Aos cantos dos
pássaros
Cortando o céu de asas
abertas
Procurando o aconchego
noturno das árvores.
Em um canto da tela
A lua desponta por
trás da serra,
Se espalhando pelas
estradas de terra batida.
Pirilampos voam por
entre as folhas,
Parecendo mines
estrelas ao nosso alcance.
Sapos cantam a beira
do rio
Que sorria em forma de
corredeiras
Rumo ao mar.
No outro canto da
tela,
A noite dorme,
Os pássaros anunciam a
alvorada.
O sol com seus olhos
de fogo,
Fere a terra,
É o dia que acorda.
Em mais um canto da
tela
Crianças pulam no rio
de águas claras
Nadam parecendo piabas
Aos sons das mulheres
batendo
Roupas nas pedras,
Eu sou uma delas.
Um dos cantos da tela
deixei em branco
Para pintar quando eu
retornasse a minha terra.
E retornei.
Vinte anos depois. E
chorei, chorei muito.
Preferi deixar em
branco
O canto da tela que
faltava pintar,
Para não pintar a
morte de minha terra.
Sem mata virgem,
Sem pirilampos,
Sem pássaros a cantar
na alvorada,
Sem rios, nem estradas
de terras.
As únicas coisas que
restaram,
O sol, e a lua porque
os homens
Não puderam tocar.
Até o meu céu estrelado,
O embrulharam em um
manto preto.
O sol embrutecido fere
a terra nua sem compaixão
Toda cheia de estrias.
E lua chora nos
lugares ocultos,
Para ninguém ver sua
tristeza.
Fiz bem em pintar a
tela de minha terra
Ainda viva.
Francis Gomes
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