A decisão
Tudo teve inicio quando comecei sentindo algumas dores abdominais, parecia coisa corriqueira do dia a dia, mas foi piorando e mesmo contra minha vontade fui ao médico. Quase dois meses para conseguir uma vaga no posto perto de minha casa.
Tinha dias que eu mal conseguia andar, uma dor no pé da barriga, que Deus me livre, e para urinar, era contando as gotas, doía e queimava que parecia sair fogo. Quanto relatei a situação ao doutor ele foi categórico, disse que eu precisava fazer um exame, o mais breve possível, poderia ser naquele dia mesmo. Ao ouvir qual seria subiu um formigamento dos pés à cabeça, tremi de medo e vergonha. Me torci para lá para cá perguntei se não podia fazer outro dia.
- Sim pode, mas quero que o senhor saiba vai ter que fazer e quanto antes melhor.
Fiquei mais um mês tentando criar coragem para fazer o maldito exame. Mas não foi fácil, além de evitar a mulher porque a coisa não funcionava mais direito suava frio toda vez que ia ao banheiro.
Eu sentia vergonha até em pensar. Imaginando o constrangimento perdia o sono, sentia calor, ficava sem jeito de olhar para qualquer pessoa. Parecia que todo mundo sabia o que eu precisava fazer, era uma verdadeira tortura.
A gente faz piada, brinca com a desgraça dos outros, mas quando é com a gente vou falar não é brinquedo não.
Eu não falei nem para a mulher deste exame, Deus me livre. Imagina se ela falasse para as colegas, toda vez que alguma fosse lá em casa ia ficar me olhando meio tordo, rindo de mim, depois falando para os maridos, e os maridos falando para os colegas e os colegas para outros colegas assim todo mundo sabendo e todos rindo de mim por onde quer que passasse. Os vizinhos esperando para me ver chegar em casa, bisbilhotando pelas janelas para zombar de mim, e no meu trabalho, já pensou o falatório que seria? credo em cruz Deus me livre.
Na rua todos me olhando com rabo de olho e falando:
- olha o esfolado passando. Me arrepiava só em pensar. Ou os engraçadinhos dos meus colegas:
- e o dedo era grande? Fala ai doeu ou você gostou?
Pronto à merda tava feita, porque não sou de levar desaforo para casa, por isso não contei a ninguém.
Só me esquivando para não fazer. Mas quando a gente pensa no esqueleto de roupa preta com uma foice na mão, cria coragem, pelo menos no momento. Apesar das brincadeiras sem graça, as coisas que escutava, e o machismo, cheguei à conclusão de que não tinha saída, precisava fazer o dito cujo.
Mas quando pensava em tudo que eu ouvia sobre o assunto.
O que era mentira ou verdade? Nos últimos noites nem dormia mais, quando ia pegando no sono, acordava vendo aquele dedão vindo em minha direção, pulava da cama todo suado e gritando, aqui não doutor.
A mulher acordava apavorada falando:
- Tá doido homem de Deus que diabo tu tem?
Nada não mulher vai dormir. Foi só um sonho ruim.
Mas não tinha jeito. Este tal exame do toque era a onda do momento só se falava nisso. Uns dizia que não doía e que a gente ficava sozinho com o médico na sala. Já outros que doía pra caramba, e além do doutor ficavam duas enfermeiras para auxiliá-lo. E as posições hein? E as posições! Alguns diziam que ficava de quatro com as mãos em cima da cama. Outros que era deitado de ladinho. O médico colocava uma luva, passava um creme lubrificante e com uma conversinha mole de que não ia doer nada era rapidinho, abria bem o negócio, e tome. Ia ao céu e voltava, ou melhor, ao inferno. Em fim relatos de todo jeito eu ouvia.
Certo dia escutei um camarada falando que tinha visto uns vídeos na internet mostrando como era feito o tal e comentou:
- Bicho feio, coisa macabra.
Pensei comigo vou nada, o diabo é quem vai não eu. Mas isso é igual dente furado, a gente tenta preservar, mas quando a o danado dói, a vontade é de arrancar na hora.
Pois bem, a mulher inventou de ir à casa da mãe dela, aproveitei e fui fuçar na internet para ver se encontrava alguma coisa. Pois não é que eu encontrei vários vídeos mesmo!
Virgem Maria, mas quando eu vi aquilo, aquelas bundas brancas empinadas, meio que de quatro, outros deitado de ladinho e o médico metendo o dedo sem dó girando 360º graus, e o cabra se torcendo todo não sei se de vergonha ou de dor. Alguns fechavam os olhos, outro arregalava, trincava os dentes, mordia os beiços. Eu pensei, to fora, não vou fazer isso, mas nem por decreto do papa.
Decisão tomada, ninguém sabia nada nem precisava saber, se a coisa piorasse eu voltava ao médico. Me lasquei, no mesmo dia, comecei sentir dores terríveis, tive que ir.
Cheguei atrasado de propósito pensado: ora chego atrasado não tem mais ninguém, entro resolvo isso de uma vez e seja o que Deus quiser. Me danei todinho, o infeliz do doutor tinha atrasado também.
Contei umas dez pessoas. Pensei, será que todos estes vão fazer? Cheguei meio esbaforido, vermelho como um pimentão, o sangue parecia ferver, quase que eu voltava para trás, mas não dava mais.
Parecia que todos me olhavam e pensando a mesma coisa, é mais um para levar dedada. Sentei de cabeça baixa sem falar com ninguém de tanta vergonha.
Começou chamando: senhor fulano, senhor beltrano, chegou sua vez.
Sentia umas pontadas no pé da barriga, além da dor, medo, ansiedade, vendo meu orgulho de macho intocável a pouco de chegar ao fim. Eu levantava, sentava, tomava água sabendo que minha vez estava chegando. Eu sabia que todo mundo percebia meu nervosismo. Para piorar, a atendente falou:
-Senhor António Jerônimo o senhor está sentindo alguma coisa? De cabeça baixa disse, não senhora estou bem.
- Tem certeza? Sim senhora
-Se acalme o senhor parece está muito nervoso, tudo vai correr bem.
Pensei, fala isso porque não vai ser no seu que vai entrar um dedo sabe-se lá Deus o tamanho e como.
Os que saiam da sala do doutor aumentavam minha agonia, fazendo uma cara de quem tava morrendo de dor de barriga e desesperado para ir ao banheiro. A maioria saia deste jeito.
Faltava apenas três. Me passou pela cabeça uma ideia maluca. Se pelo menos fosse uma doutora quem sabe seria melhor, ela poderia ser mais delicada, afinal toda mulher costuma ser. O dedo seria mais fino.
Mas também me ocorria outra preocupação, a unha. Sim, a unha. Quem não conhece uma mulher que tenha unhas grandes. Tem a luva eu sei, mas e se rasgar. Já nem sabia o que seria pior. E se ela resolvesse se vingar de alguma coisa logo em mim, já pensou, e não seria difícil não do jeito que a coisa anda. Se o marido tivesse traído ela, e descontasse tudo na minha pessoa, coitado de mim pagaria o pato sem culpa nenhuma.
De repente, aquela voz tenebrosa:
Senhor António, por favor, pode entrar. Arrepiou até a alma. De cabeça baixa, ouvir uma voz feminina falar: senhor entre na sala a sua direita, tire a roupa e ponha este avental, o médico já vem lhe examinar.
Mal coloquei aquele avental azul o médico chegou:
- Está pronto Senhor António? Cabisbaixo balancei a cabeça afirmando que sim.
Ponha suas mãos em cima da cama, empine um pouco as nádegas, e relaxe não vai doer nada. Durará apenas entre quinze e vinte segundos. Vou utilizar este gel para que o senhor não sinta dor, não vai nem perceber, quando ver já foi. Fechei os olhos trinquei os dentes e senti aquele dedo grosso entrando em mim, torcendo para um lado para o outro. Mas doeu, doeu muito, cheguei ver estrelas.
Pronto. O pode colocar sua roupa. O senhor, por favor, aguarde um pouco lá fora e já lhe dou o diagnóstico. Saí da li cego de vergonha nem quis saber do resultado e nunca mais voltei lá.
Por causa desta decisão, esta atitude impensada, do meu orgulho e machismo é que hoje, um ano e meio depois estou aqui entre amigos e parênteses, narrando-vos esta história deitado neste caixão frio, sem dor, sem orgulho, sem vida.
Francis Gomes